Muitas vezes nos achamos no direito de denunciar nas redes sociais crimes, infrações e pequenos delitos com que nos deparamos no quotidiano, apontado local, hora, descrevendo o fato e compartilhando os dados da pessoa infratora.
Mas, será que isso é plenamente permitido? Bem, vamos por parte – e, aqui, sem a piadinha infame de um certo assassino do século XIX muito famoso e compartilhado até hoje.
Em primeiro lugar, é bom sempre termos em mente que a nossa Constituição de 1988 (que ainda está valendo) obriga a lei e seus aplicadores (os juízes) a tratarem aqueles que ainda não foram condenados por decisão transitada em julgado (sem a interposição de recurso) como inocentes. É o que diz o inciso LVII do art. 5° da CR/88:
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
É com base nessa garantia constitucional é que pessoas não “desaparecem” hoje em dia por suspeitas de envolvimento com uma (inexistente, antes e agora) ameaça comunista; também é com base nisso que os jornais tratam os suspeitos de crimes como suspeitos – ainda que confessos, posto que a condição normativo-constitucional ainda não foi inteiramente atingida.
Perceba que a denúncia ela é quase que obrigatória a ser feita por quem quer tenha presenciado ameaça ou lesão a direito alheio. Entretanto, nada justifica o tratamento ilegal ou contrário às garantias fundamentais individuais – próprias do Estado Democrático de Direito, o governo da diferença; o governo de todos.
Nesse passo, é importante que tenhamos em mente que não só existem ilícitos penais em nossa ordem legal, mas também ilícitos civis. Um xingamento, além de ser crime de injúria e, portanto, um ilícito penal, é indubitavelmente um ato ilícito cível, podendo gerar o correspondente dever de indenizar – conquanto, esse caso, normalmente, estar-se-á diante de uma ofensa à honra da pessoa.
Outro exemplo muito comum de ilícito civil é estacionar o veículo em ciclovias. É claro que hoje é impensável um “dano moral” somente por tal circunstância. Mas, não deixa de ser um ilícito, ainda que incorra o condutor nas sanções administrativas.
Contudo, absolutamente nada justifica que um ciclista completamente revoltado com o tal do veículo estacionado sobre a ciclovia tire fotos do veículo, da placa e do condutor e as publique, sem autorização, sem o cuidado com a imagem alheia e ainda ofendendo o condutor.
Nada, nenhuma norma, justifica ou fundamenta essa conduta.
Em verdade, é justamente o contrário: nosso Código Civil vigente proíbe isso. Vejamos o que o art. 22 do diploma cível determina:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Trata-se de uma proibição expressa pela exposição vexatória de qualquer pessoa – afinal, uma vez conquistado o status de pessoa (isto é, a partir do nascimento com vida), não há em nossa ordem jurídica uma forma de descaracterizar um humano vivente da condição de pessoa, da condição humana. Pelo menos, não juridicamente.
De qualquer forma, é sempre bom não expor as pessoas em redes sociais, mesmo que você tenha um dossiê de provas contra ela. Se não pelo bom senso, talvez pelo amor ao bolso e ao suor, tendo em vista a possibilidade de quem expõe as pessoas ser condenado a pagar danos morais para quem foi exposto.
O ideal é sempre registrar o fato junto à autoridade policial e sempre procurar um advogado para verificar a viabilidade de instaurar as medidas jurídicas cabíveis, criminais ou cíveis.